Foto: Gustavo Moreno/STF

Voto de Mendonça confronta decisões de Moraes e propõe novas diretrizes para regulação das redes sociais

O ministro André Mendonça foi o primeiro a apresentar um voto divergente em relação às decisões do ministro Alexandre de Moraes no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em seu posicionamento, Mendonça criticou medidas como a suspensão por tempo indeterminado de perfis em redes sociais, adotadas por Moraes desde 2019 em investigações sob sua relatoria.

Segundo Mendonça, o artigo 19 da norma de 2014 autoriza apenas a remoção de postagens específicas consideradas ilícitas pelo Judiciário — não a exclusão integral de perfis. Ele classificou a suspensão de contas como censura prévia, prática vedada pela Constituição no artigo 220, parágrafo 2º, que proíbe qualquer tipo de censura de natureza política, ideológica ou artística.

“Excluir um perfil significa suprimir manifestações legítimas já publicadas e impedir novas manifestações, independentemente de seu conteúdo”, argumentou o ministro. Ele citou como exemplo medidas que suspendem perfis com base na acusação de “produção sistemática de desinformação”, o que, segundo ele, retira do usuário o direito à livre manifestação de ideias futuras com base na presunção de que poderá cometer novos ilícitos.

Moraes tem justificado esse tipo de medida como forma de interromper supostos crimes contra a democracia e as instituições, muitas vezes motivados por publicações críticas a ele próprio, a outros ministros do STF ou à atuação do TSE nas eleições.

Mendonça, em contraste, defendeu uma concepção mais ampla da liberdade de expressão, que abrange inclusive o direito à dúvida, mesmo que infundada, sobre as instituições. “A Justiça Eleitoral brasileira é confiável e motivo de orgulho. Mas, se um cidadão quiser duvidar dela, tem esse direito”, afirmou, citando o jurista Samuel Fonteles.

Para o advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, o voto de Mendonça inova ao propor expressamente o veto à suspensão de perfis — ponto que não havia sido abordado por ministros que votaram antes dele, como Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. “Suspender um perfil é censurar um ilícito suposto, algo que ainda não aconteceu”, disse Marsiglia.

Ele destacou também a equiparação das redes sociais a veículos de comunicação social, que, conforme a Constituição, não devem estar sujeitos a restrições à liberdade de informação jornalística. Para Marsiglia, essa leitura fortalece a proteção contra censura.

Outro ponto de inovação no voto foi a defesa de que as plataformas tenham acesso completo às decisões judiciais que determinam a remoção de conteúdo específico. Mendonça ressaltou que, frequentemente, as ordens chegam apenas como notificações, sem detalhamento dos fundamentos jurídicos, o que dificulta o direito de defesa das empresas e dos próprios usuários.

“É necessário garantir que as plataformas recebam a íntegra das decisões, inclusive nos casos sob sigilo, para que possam exercer o direito de impugnação com base no devido processo legal”, afirmou Mendonça.

Proposta de autorregulação regulada das redes

O ministro também propôs um modelo alternativo de regulação das redes sociais, diferente dos apresentados por Toffoli, Fux e Barroso, que defenderam a exclusão imediata de conteúdos considerados prejudiciais. Para Mendonça, esse tipo de abordagem pode estimular censura preventiva, já que envolve temas politicamente sensíveis, como crimes contra o Estado Democrático de Direito ou a disseminação de desinformação sobre minorias e o processo eleitoral.

Ele alertou que, diante do risco de multas e pressões ideológicas, as plataformas tenderiam a remover indiscriminadamente conteúdos relacionados a autoridades, instituições e figuras públicas.

Mendonça reconheceu o esforço das plataformas em retirar conteúdos claramente criminosos — como golpes financeiros, exposição de crianças e incitação ao terrorismo — e argumentou que a maior parte dos conteúdos que geram polêmica diz respeito a casos complexos, que exigem a atuação do Judiciário. Nesses casos, afirmou, a remoção não deve ser feita automaticamente pelas plataformas, mas analisada judicialmente.

Para os demais casos, defendeu o modelo de “autorregulação regulada”: as plataformas aplicariam com rigor seus próprios termos de uso, enquanto o Estado teria o papel de fiscalizar se essas regras estão sendo efetivamente cumpridas, especialmente em relação a conteúdos claramente ofensivos, discriminatórios ou perigosos.

“O foco precisa mudar: em vez de responsabilizar diretamente pelo conteúdo ou pelo perfil, é preciso avaliar os procedimentos e protocolos adotados pelas plataformas para garantir um ambiente digital saudável e íntegro”, explicou.

Segurança jurídica e distinção entre redes e aplicativos de mensagens

Para o advogado Caio Miachon Tenorio, sócio do escritório Lee, Brock & Camargo Advogados, o voto de Mendonça reforça a segurança jurídica ao manter a lógica do artigo 19, que prevê o Judiciário como instância adequada para a análise de conteúdos controversos. No entanto, ele considera essencial a criação de um novo marco regulatório que padronize os procedimentos de remoção extrajudicial e defina critérios objetivos para avaliar a omissão das empresas na aplicação de suas políticas internas.

Tenorio também elogiou o posicionamento de Mendonça que exclui aplicativos de mensagens — como WhatsApp, Telegram e Signal — das obrigações aplicadas às redes sociais. Segundo ele, essa distinção é fundamental para proteger o sigilo das comunicações e evitar a imposição indevida de mecanismos de vigilância a plataformas com estrutura e objetivos distintos.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/voto-de-mendonca-confronta-atos-de-moraes-e-traz-inovacoes-para-regulacao-das-redes/?utm_source=newsshowcase&utm_medium=gnews&utm_campaign=CDAqEAgAKgcICjDshY4LMOTWoAMwkdjlAw&utm_content=rundown&gaa_at=la&gaa_n=ASWzDAgcqjYOMOqy_CYMbMs4rZKLArSZhmswdMcFKaUnRjozg4LVyCsBQ4oLbVGtkVM5cJrwQEzRV2zONUYv5KGWiT2i4afHaiF0WM8%3D&gaa_ts=68462784&gaa_sig=D1CgkNm65xqoMj0hcm87G9DgjRC-6HqMWO7zTgW2vkopBbRUbeB2s7MxxfqZHj0lYuWiF8JjYRIUdyixDOyiuw%3D%3D

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