Mesmo sob questionamentos judiciais e técnicos, governo do Paraná mantém licitação de R$ 871 milhões para o Descomplica

O governo do Paraná anunciou, na segunda-feira (2), a escolha do Consórcio CiX Experience Paraná para administrar 20 Centrais de Atendimento ao Cidadão do programa Descomplica, com contrato homologado no valor de R$ 871.293.969,00 por um período de cinco anos. A decisão gerou forte reação da oposição na Assembleia Legislativa, que pretende solicitar a criação de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) para apurar possíveis irregularidades no processo.

A licitação foi alvo de críticas da 4ª Inspetoria de Controle Externo (ICE) do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), que apontou falhas no edital, incluindo um possível sobrepreço de até R$ 130 milhões, além de indícios de direcionamento que beneficiariam apenas um grupo empresarial. Em outubro de 2023, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) chegou a suspender os atos da concorrência pública, acolhendo pedido de liminar apresentado por uma das empresas concorrentes.

Segundo relatório técnico da 4ª ICE, houve uma tentativa anterior de licitação em 2021, paralisada após parecer contrário da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) devido às irregularidades não sanadas. A nova versão do edital, publicada em 2023, teria mantido diversos dos problemas já apontados. “A lista de impropriedades é tão extensa que seria uma longa tarefa descrever todos os achados”, diz o parecer da inspetoria.

Entre as cinco principais irregularidades destacadas estão:

  • Indícios de sobrepreço e falhas na orçamentação;
  • Restrições indevidas à competitividade;
  • Modelo de disputa inadequado;
  • Ausência de regras para a transferência de tecnologia ao fim do contrato;
  • Utilização de documentos sem assinatura para embasar o certame.

O edital previa exigências consideradas ilegais, como a de experiência em desenvolvimento de software — embora o próprio estudo técnico da contratação indique que seria necessário apenas adaptar um sistema já existente. “Trata-se de restrição injustificada à competitividade”, aponta o relatório.

A licitação foi suspensa em 29 de outubro de 2023, após mandado de segurança impetrado pela 3P Brasil Consultoria, que questionou atos da Secretaria da Administração e da Previdência (Seap) e da Comissão de Licitação. A empresa alegou que o edital favorecia um grupo restrito de concorrentes, ao exigir atestados técnicos de órgãos públicos e vedar a subcontratação de sistemas, o que limitaria empresas que não possuem software próprio.

Na decisão liminar, o desembargador Rogério Etzel, do TJ-PR, considerou que não haveria prejuízo ao cidadão com a paralisação da licitação, já que os serviços continuavam a ser prestados pelo próprio Estado. “O prejuízo se revela à lisura do processo e ao risco de um resultado em desacordo com normas legais e constitucionais”, escreveu.

Mesmo após a suspensão, o governo lançou novo edital em janeiro, culminando na escolha do consórcio vencedor. O grupo é formado pelas empresas CiX Citizen Experience, Quipux S.A.S do Brasil e Urban Participações Ltda., com custo médio proposto de R$ 27,07 por atendimento — valor inferior ao custo atual, segundo o governo, que seria de R$ 88 por atendimento.

A oposição, no entanto, reforça as suspeitas de direcionamento. Em fevereiro, o deputado estadual Arilson Chiorato (PT) denunciou que a empresa “Shopping do Cidadão” — que teria trocado de nome para CiX — seria favorecida desde o início. “Desde o início alertamos que só um consórcio conseguiria atender os requisitos técnicos. Essa licitação soa mal para a moralidade pública e a transparência”, afirmou.

O histórico da empresa inclui a gestão de unidades do Poupatempo em São Paulo e, atualmente, a administração de serviços semelhantes no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco e Brasília.

A Celepar, companhia pública de tecnologia da informação do Paraná, também se posicionou contra a contratação da empresa privada. Em nota assinada por seu comitê de funcionários, a entidade criticou o projeto, apontando que o modelo de terceirização pode fragilizar o controle sobre dados pessoais sensíveis da população. O advogado do comitê, Paulo Jordanesson Falcão, declarou que a medida ignora decisões judiciais e despreza a capacidade da estrutura pública. “Estamos falando de um contrato de quase R$ 1 bilhão. É uma escolha política feita à revelia do interesse público”, afirmou.

Falcão ainda comparou a iniciativa às Ruas da Cidadania de Curitiba, criadas nos anos 1990, que até hoje funcionam sem a necessidade de empresas terceirizadas.

A assessoria do governo estadual afirmou que a licitação segue válida e que há manifestações favoráveis do Ministério Público do Paraná, além de não haver decisão judicial que impeça a continuidade do processo. O líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Hussein Bakri (PSD), prometeu se manifestar sobre o caso na sessão da próxima segunda-feira (9).

O consórcio vencedor ficará responsável por implantar, operar e manter 20 unidades físicas do Descomplica Paraná em todo o estado.

Fonte: https://www.plural.jor.br/apesar-de-manifestacoes-contrarias-de-tribunais-governo-de-ratinho-mantem-licitacao-no-valor-de-r-871-milhoes/

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